Palavras da Presidente
Sobre Marisa Decat de Moura
A Diretoria do biênio 2017-2019 inicia seu trabalho de gestão da SBPH vivendo uma situação bastante difícil: o falecimento da nossa querida Marisa Decat de Moura, em 14 de dezembro de 2017. Idealizadora, fundadora e sempre dedicada à SBPH. Ela nos faz falta
Mas, revisitar o percurso de sua obra e falar sobre Marisa neste momento nos traz o conforto de comprovar a grandiosidade do legado que ela nos deixa e da sua eterna e indelével presença na história e no desenvolvimento da Psicologia e da Psicanálise no hospital. Sua dedicação à psicologia e à clínica psicanalítica no hospital e a transmissão de sua experiência são marcos fundamentais no desenvolvimento da identidade, do saber e do fazer do psicólogo e do psicanalista no contexto hospitalar.
O seu tempo da prática da psicologia e da psicanálise no hospital iniciou-se em 1978 , com a criação da Clínica de Psicologia e Psicanálise no Hospital Mater Dei de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O título de um de seus artigos – “Um lugar para o sujeito a partir de diferentes práticas discursivas” – nos revela o que seria o paradigma do seu pensamento sobre a presença do psicanalista no contexto hospitalar. Ela nos conta no livro Psicanálise e Hospital (1996) que tudo começou com aulas no curso para os “casais grávidos” e depois o trabalho estendeu-se ao atendimento nas Unidades de Terapia Intensiva – UTI, adulto e infantil, e ao atendimento a pacientes e familiares das várias clínicas. E, também desde este primeiro momento havia o trabalho de transmissão da psicanálise através de cursos permanentes para os residentes e acadêmicos de medicina, onde se debatiam questões relacionadas à prática médica e cursos de “Formação Permanente”, sobre temas pertinentes à questão do sujeito na prática dos profissionais da área da saúde. Além dos cursos de Formação em Psicanálise e Hospital, organizou cinco edições do “Fórum Internacional Psicanálise e Hospital”, que se realizaram em Belo Horizonte e congregaram psicanalistas e psicólogos do Brasil e da França. Assim, desde o começo havia o comprometimento com a prática psicanalítica junto ao sujeito do contexto hospitalar, o desenvolvimento da teoria e sua transmissão.
Pioneira na prática e na formalização teórica da prática psicanalítica no hospital geral no Brasil, busca um percurso “em direção a um “encontro “ da Psicanálise com a Medicina, de médicos e psicanalistas” , como ela sempre dizia. Inquieta e instigada pelo desafio de pensar sobre as relações entre a psicanálise e a medicina, tomou a frente nesta tarefa de espinhosas questões. Para pensar sobre o que sustentaria a prática do psicanalista neste contexto extra consultório compreende que tratar da questão do “lugar do analista” é fundamental. Apoia-se nas proposições de Lacan para falar sobre ”o lugar do analista no hospital como um lugar específico, que não é o de um técnico ou especialista, mas o de uma presença, responsável pela implicação da psicanálise e não da sua aplicação”. Alerta sobre o cuidado e a delicadeza necessários para não distorcer a psicanálise, mas relaxar o seu rigor. Assim, afirma “não se trata de dizer não às demandas, mas de responder com o desejo de analista”. O “lugar do analista” no hospital compreende a necessidade do psicanalista abrir mão de seu narcisismo e “se oferecer” diante da demanda inespecífica, onde ainda não há demanda dirigida ao analista” (Moura, 1996)
O empenho no projeto de publicação e formalização teórica da prática psicanalítica no hospital. concretizou-se em 1980 com a Revista Epistemo-Somática. Interessante salientar como ficou formulada a temática do periódico: “vários saberes sobre o corpo, onde cada um contribui a seu modo para pensar as possibilidades e impasses advindos da relação entre ciência e corpo”.
A partir de 1996 o projeto de publicações se engrandece com a organização do primeiro livro da série “Psicanálise e Hospital”. Em 1999, o segundo livro da série teve como tema “Psicanálise e Hospital: a criança e sua dor”. Em 2003, “Psicanálise e Hospital 3” tratará de temas sobre o “Tempo e morte: da urgência ao ato analítico”. Em 2005, os avanços tecnológicos e seu impacto na vida subjetiva e na medicina serão abordados nos temas do quarto livro “ Psicanálise e Hospital 4 – Novas versões do Pai: Reprodução assistida e UTI”. Em 2011, no livro ”Psicanálise e Hospital 5 – A responsabilidade da psicanálise diante da ciência médica”, o capítulo escrito por ela se intitula “O Psicanalista à Altura do seu Tempo? Respostas da Psicanálise ao Chamado Médico”, onde trazendo suas reflexões sobre as questões da sociedade em mutação, ela pondera que a resistência à Psicanálise que é uma realidade destes tempos, revela como fundamental o seu lugar. “Quanto mais houver a exclusão do sujeito, mais a Psicanálise se fará necessária”. As questões sobre a Psicanálise no novo espaço, o hospital, se reapresentam associadas às do novo tempo e do novo sujeito da contemporaneidade. No sexto livro “Oncologia – Clínica do Limite terapêutico? Psicanálise e Medicina” organizado em 2013, a série é renomeada “ Psicanálise e Medicina” reafirmando-se o seu propósito de interrogar-se, a partir da psicanálise, sobre a medicina e os efeitos do seu discurso sobre a subjetividade. A coletânea de artigos reunidos nesta obra falam do sujeito diante do limite do saber e dos procedimentos que curam.
Para os seus estudos do Mestrado busca a Université Louis Pasteur em Strasbourg, na França, em 2000. Orientada por Françoise Hurstel, realiza o estudo “Du Regard a L’Ecoute”. Organiza, a partir deste contato, uma parceria muito promissora com psicanalistas franceses, inserindo o Brasil como um dos seis países participantes e tornando-se responsável pela coordenação brasileira da pesquisa multicêntrica: La construction de l’identité aujourd’hui: construction psychique et psychopathologie de l’enfant dans les nouveaux liens familiaux et sociaux – CoPsyEnfant”. Torna-se representante, no Brasil, e responsável pela parceria com a Université Louis Pasteur, pela co-realização de eventos periódicos . Em 2003 torna-se Membro e representante no Brasil da Federação Européia de Psicanálise – F.E.D.E.P.S.Y.
Em 2009 conclui o Doutorado em Ciências/Reprodução Assistida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com o estudo ‘Função Paterna e o Lugar do Pai no Tratamento de Reprodução Assistida”, com a orientação de Maria do Carmo Borges de Souza.
Sua contribuição para a formação do psicólogo e do profissional de saúde tem números muito expressivos. Em 1997, cria e exerce a coordenação do Curso de pós-graduação Lato Sensu de Especialização em Psicologia Hospitalar, na Fundação Mineira de Educação e Cultura – FUMEC, oferecendo, em Belo Horizonte, um campo importante para a formação de psicólogos na área hospitalar. Orientou 42 trabalhos entre teses de doutorado, mestrado e trabalhos de conclusão de curso de especialização. Organizou 61 eventos, a maior parte com temas ligados ao trabalho do psicólogo no contexto da saúde e do hospital.
Marisa tinha o dom da palavra, em suas conferências, sempre brilhantes, nos presenteava com a transmissão de seus sólidos conhecimentos e experiência clínica. Tanto que participou como palestrante e conferencista de 260 eventos!
Marisa Decat de Moura foi também a idealizadora da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, a SBPH e preparou todo o processo da sua fundação , tendo convidado a Dra Bellkiss Wilma Romano para ser a sua primeira presidente. Em 1997, organiza uma assembleia que se realizou em 4 de junho daquele ano, no Centro de Estudos do Hospital Mater Dei, com a presença de 45 profissionais que atuavam em hospitais de todo o Brasil , fundando a SBPH , em Minas Gerais , com sede em Belo Horizonte. Marisa assumiu a presidência na diretoria do biênio seguinte, 1999 a 2001. E, desde então continuou seu trabalho junto à SBPH como membro permanente do Conselho Consultivo. Além disso, foi Presidente do IX Congresso da SBPH, que se realizou em 2013, em Belo Horizonte, com o tema “Desafios contemporâneos da Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática” , quando era presidente da SBPH, Elaine M.C. Zanolla Dias de Souza.
Podemos dizer que desde a sua idealização trabalhou dedicada , incansável e apaixonadamente para a SBPH. E também, que este trabalho foi muito profícuo. Hoje a SBPH, com 21 anos, tem um papel importante na história, no desenvolvimento e expansão da psicologia hospitalar e sua importância como especialidade na psicologia brasileira.
Como presidente da diretoria atual da SBPH, sinto que aumenta a minha responsabilidade de trabalhar e convocar meus colegas de diretoria, os sócios e os psicólogos , para continuar o processo de consolidação da vocação e levar adiante a missão da SBPH iniciada tão magnificamente por Marisa, que é a de promover e desenvolver a psicologia hospitalar nos seus vários aspectos.
Sempre serão necessárias muitas palavras para falar da nossa querida Marisa Decat de Moura!
Glória Heloise Perez Diretora Presidente Gestão 2017-2019 Psicóloga | CRP 06/1963 |